segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

CURRÍCULO E SUAS PRINCIPAIS PERSPECTIVAS

CURRÍCULO ESCOLAR 
Uma visão histórica da evolução do conceito 
de Currículo Escolar
 


Arlindo Nascimento Rocha
“Quando questões fundamentais de currículo não são dirigidas por educadores, os caprichos econômicos ou políticos formam o caminho e as práticas educacionais são governadas à revelia.” (Schubert, 1986, p.1)
Resumo
O currículo escolar é a base para o planejamento da prática pedagógica, dos professores, como também o compromisso para com os alunos, por isso, torna-se necessário investigar e refletir sobre questões de natureza teórica que norteiam a construção de um determinado currículo escolar.
Meu objetivo com esse trabalho é fazer uma investigação sobre o Currículo Escolar e suas principais perspectivas traçando um panorama histórico, e as várias facetas que se manifestaram na escola e no processo de ensino-aprendizagem ao longo dos anos, bem como o reflexo na construção da cidadania.  
Conceito de currículo
Objetivando uma possível definição do conceito “Currículo”, constata-se que não existe unanimidade no que tange a uma definição objetiva de termo. Vários estudiosos, como Silva (2000, 2001, 2007), Moreira (2001), Kelly (1981) Goodlad (1979), Yamamoto e Romeu (1983), Gimênio Sacristán (2000) entre outros, já identificaram cerca de trinta definições diferentes, cada uma, comprometida ou não com sua época, corrente pedagógica ou teoria de aprendizagem.
Normalmente, a expressão Currículo é usada para designar o programa de uma disciplina, conjunto de atividades educativas, as metodologias e os materiais usados no processo ensino-aprendizagem.No entanto, a reflexão para melhor entender objetivamente o que venha a ser currículo, implica investigar suas diferentes dimensões: social, política, econômica e cultural para melhor entender as forças diversas oriundas de cada contexto histórico, que influenciaram o processo de desenvolvimento curricular como um território amplamente contestado.
Historicamente, o termo currículo foi encontrado em registros do século XVII, sempre relacionado a um projeto de controle do ensino e da aprendizagem, ou seja, da atividade prática da escola. Desde os seus primórdios, currículo envolvia uma associação entre o conceito de ordem e método, caracterizando-se como um instrumento facilitador da administração escolar.
Atualmente, currículo é considerado como um conjunto de experiências, vivências e atividades na escola convergentes para objetivos educacionais, e, por isso, estas devem ser trabalhadas de forma inter-e-transdisciplinar por forma a facilitar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos, uma vez que, segundo BORSA, 2007 p. 02, “é na Escola que se constrói parte da identidade de ser e pertencer ao mundo; nela adquirem-se os modelos de aprendizagem, a aquisição de princípios éticos e morais que permeiam a sociedade; na Escola depositam-se expectativas, bem como as dúvidas, inseguranças e perspectivas em relação ao futuro e às suas próprias potencialidades”.
O currículo pode ser interpretado sob duas perspectivas complementares, não excludentes, em que cada um está de acordo com o nível de abrangência. Sendo assim, o currículo pode ser vista em seu sentido amplo e restrito. Segundo Samuel Rocha Barros (op. cit., p. 170-1), em sentido amplo o “currículo escolar abrange todas as experiências escolares.” Na obra aparecem várias definições, tais como: “é a totalidade das experiências de aprendizagem planejadas e patrocinadas pela escola” (Jameson-Hicks), “são todas as experiências dos alunos, que são aceitas pela escola como responsabilidade própria” (Ragan), “são todas as atividades através das quais o aluno aprende” (Hounston), e, em sentido restrito “o currículo escolar é o conjunto de matérias a serem ministradas em determinado curso ou grau de ensino.” Neste sentido, o currículo abrange dois outros conceitos importantes: o de plano de estudos “lista de matérias que devem ser ensinada em cada grau ou ano escolar” e o de programa de ensino "relação dos conteúdos correspondentes a cada matéria”.
Geralmente, o currículo tem como finalidade a construção da identidade dos alunos na medida em que ressalta a individualidade e o contexto social que estão inseridos. Além de ensinar ou transmitir de forma passiva um determinado conteúdo, deve aguçar a capacidade reflexiva, a criticidade e as potencialidades, dos alunos em face de uma realidade passível de ser transformada mediante a intervenção dos mesmos. Por isso torna-se necessário entender as teorias que sempre nortearam a definição de um determinado currículo, em função dos objetivos a serem atingidos.
Inicialmente, as teorias do currículo visavam responder as seguintes questões: qual o conhecimento que deve ser ensinado? O que os alunos devem saber? Qual conhecimento é importante para ser considerado parte do currículo? Por isso, ao longo da história as teorias do currículo foram vistas sob diferentes perspectivas: teorias tradicionais, teorias críticas e pós-críticas, diferenciando-se pela ênfase que dão à natureza da aprendizagem, do conhecimento, da cultura, da política, ou seja, da sociedade como um todo.  
Surgimento e evolução da teoria curricular
A teoria tradicional surgiu nos Estados Unidos com o objetivo de preparar o aluno para aquisição de habilidades intelectuais através de práticas de memorização e tem como base a tendência conservadora, baseada nos princípios de Taylor, que igualava o sistema educacional ao modelo organizacional e administrativo das empresas. O conhecimento é concebido como algo estático e objetivo, e o professor cumpre o papel de transmiti-lo. O aluno, por sua vez, é visto como um receptor passivo desse conteúdo transformado em objetos de ensino que são os saberes privilegiados pelo contexto sociocultural da classe dominante, ignorando-se a cultura dos grupos minoritários. Resumindo, o currículo aparece como um conjunto de objetivos específicos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que deverão poder ser medidos.
A teoria crítica afirma que não existe uma teoria neutra, já que toda teoria está baseada nas relações de poder, o foco desloca-se para as questões de ideologia, saber e poder, que se julga ser disseminadas pela escola. Paulo Freire influenciou de maneira significativa vários autores críticos que tratavam de perspectivas curriculares, através de sua obra Pedagogia do Oprimido, onde ele propõe uma pedagogia com uma nova forma de relacionamento entre professor, estudante, e sociedade, e, enfatiza que se deve trabalhar a teoria dialógica, contrária à manipulação das classes menos favorecidas pelas "culturas", através dos meios de comunicação. A população em si precisa ser conduzida ao diálogo, canal este de libertação da harmoniosa opressão imperante. Nesse sentido, o currículo é um local onde ativamente se produzem criam significados sociais.
Por último, a visão pós-crítica de currículo vem ampliar e modificar alguns conceitos da perspectiva crítica, valorizando assim o multiculturalismo com destaque pela diversidade das manifestações culturais do mundo atual. Nesse sentido surgem os conceitos de currículos abertos e dinâmicos.
A valorização do multiculturalismo funciona como estratégia política que tenta minimizar conflitos e desigualdades sociais relacionando-os a diferenças culturais, que, por sua vez, estão ligadas historicamente à distribuição desigual da riqueza e do poder político em todas as sociedades modernas.
Com efeito, o currículo pós-crítico enfatiza competências e habilidades, e rejeita-se o currículo linear, sequencial, estático e sistematizado em troca de um currículo marcado pela indeterminação e incerteza, visto que o “significado é cultural e socialmente produzido” (Silva, 2007, p. 123).
É inegável que a sociedade atual exige das escolas a formação do aluno participativo, reflexivo, crítico e criativo capaz de operacionalizar as competências e as habilidades adquiridas durante o processo de ensino-aprendizagem, no entanto, é preciso enfatizar que, o currículo não diz respeito apenas a uma relação de conteúdos, mas envolve também, segundo HORNBURG e SILVA, 2007, p.1 “questões de poder, tanto nas relações professor/aluno e administrador/professor, quanto em todas as relações que permeiam o cotidiano da escola e fora dela, ou seja, envolve relações de classes sociais e questões raciais, étnicas e de gênero, não se restringindo a uma questão de conteúdos”.
A escola moderna encontra-se ainda muito ligada com as correntes tradicionais de ensino, por isso, muitos professores compactuam com a ideia de que se deve ocupar da transmissão/assimilação/construção do conhecimento. Em parte, isso é verdade, na medida em que a especificidade da escola é o trato com o conhecimento. No entanto, o conhecimento é apenas uma das facetas da cultura construída e reconstruída no ambiente escolar. Então, a escolha de um determinado padrão cultural na seleção de conteúdos para um dado currículo expressa uma valorização desse padrão em detrimento de outros.É verdade que, todo currículo é um processo de seleção, de decisões acerca do que será e do que não será legitimado pela escola. A existência um conjunto de culturas negadas pelo currículo cria nos alunos pertencentes a essas culturas um sentimento de alijamento do que é socialmente aceito.
Criticas as teorias curriculares
As primeiras críticas à visão tradicional de currículo surgem na década de 60, em meio aos movimentos sociais e culturais. Um dos motivos da crítica é o fato da visão tradicional de currículo apresentar-se “neutra”, como um saber desvinculado das relações de poder e colocar-se como o saber legítimo, universal, do interesse da humanidade como um todo indistinto. Não tem preocupações em questionar os arranjos sociais ou educacionais vinculados à estrutura social, fomentando a aceitação, ajuste e a adaptação.
Já a visão crítica de currículo questiona as desigualdades provocadas pela visão tradicional no sistema de ensino, já que estas não questionam o conhecimento em si, apenas valorizam o mecanismo de eficácia da reprodução desse conhecimento. Desloca a ênfase dos conceitos pedagógicos do processo ensino-aprendizagem para conceitos ideológicos.
De acordo com a visão crítica do currículo, a sociedade capitalista utiliza a educação para a reprodução de sua ideologia. É pelo currículo que veicula a sua ideologia, por meio, não propriamente do conteúdo explícito de suas disciplinas, mas ao privilegiar relações sociais nas quais, dominantes e subordinados, aprendem a praticar os seus papéis. Assim, as escolas reproduzem os aspectos necessários para a sociedade capitalista: trabalhadores adequados a cada necessidade dos locais de trabalho; líderes para cargos de chefia e líderes obedientes e subordinados para os cargos de produção. O currículo da escola está baseado na cultura dominante. Ele se expressa na linguagem dominante, é transmitido através do código cultural dominante. As classes dominantes podem facilmente compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram nele imersas. Para as classes dominadas, esse código é simplesmente indecifrável. Ainda, nessa visão, não existe uma cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente aceita e praticada e, por isso, digna de ser transmitida às futuras gerações através do currículo. A cultura é vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta. A cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta.
No limiar do século XXI surgem as teorias pós-críticas que direcionam suas bases para um currículo no qual se vincula conhecimento, identidade e poder com temas como gênero, raça, etnia, sexualidade, subjetividade, multiculturalismo, entre outros. Ela não toma a realidade tal como ela é, e sim como o que os discursos sobre elas dizem como ela deveria ser. A realidade não pode ser concebida fora dos processos linguísticos de significação.
Desta maneira, a visão pós-crítica distingue o currículo como uma linguagem dotada de significados, imagens, falas, posições discursivas e, nesse contexto, destaca que nas margens do discurso curricular se comunicam códigos distintos, histórias esquecidas, vozes silenciadas que, por vezes, se imiscuem com o estabelecido, regulamentados e autorizados.
Considerações finais
Através do panorama histórico do ensino à luz das perspectivas curriculares, percebe-se que, cada momento histórico existe diferentes condições sociais, econômicas e culturais que determinam a ação pedagógica e o ensino.As transformações sociais provocadas pela democratização do ensino impeliram mudanças significativas no processo ensino-aprendizagem.
Constata-se que, através dos anos e sob as diversas perspectivas curriculares, os conhecimentos viabilizados pelo ensino têm se adaptado às diferentes mudanças e evoluído em seus objetivos. Como resultado dessa sintonia com a realidade contemporânea, contempla-se através de seus atuais objetos de ensino o importante papel do currículo na formação do aluno, preparando-o para ser um cidadão ativo, reflexivo e crítico, ampliando suas competências para atuar nas diferentes esferas da sociedade.
Em suma, embora várias reformas de currículo tenham acontecido ao longo da história, elas nunca se tornaram concepções dominante nas escolas. As proposições críticas e renovadoras, ainda representam experiências isoladas, no contexto educacional, de forma que as escolas normalmente permanecem voltadas para os fundamentos reconhecidos como concepção tradicional de currículo, representante de uma, perspectiva tecnicista. Por isso, é preciso continuar refletindo e questionando sobre questões teórico-práticas no que tange a teoria curricular e não deixar esmorecer os ganhos conseguidos até então.  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COLL, Cesar. Psicologia e Currículo, São Paulo: Ática, 1996. 
MOREIRA, A. F. B. (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997. 
SILVA. T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 
SAVIANI, N. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/ método no processo pedagógico. Campinas: Autores Associados, 1994. 
TYLER, Ralph. Princípios Básicos de Currículo e Ensino. Porto Alegre: Globo, 1974. http://siaiweb06.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/135/115


Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/curriculo-escolar-uma-visao-historica-da-evolucao-do-conceito-de-curriculo-escolar/123546/#ixzz40vsy71Ez


Fonte:
http://www.webartigos.com/artigos/curriculo-escolar-uma-visao-historica-da-evolucao-do-conceito-de-curriculo-escolar/123546/

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Entrevista: João Wanderley Geraldi

Entrevista: “Professor não pode ter medo de errar”

Assunto: Uso social da língua
 
Autor: João Wanderley Geraldi, NPL nº 10
W. Geraldi
Professor não pode ter medo de errar
 
América Marinho
O que levou o lingüista e professor universitário a se preocupar com as questões de ensino da língua na educação básica? 
Eu comecei como professor de ensino noturno na educação básica. Quando fui para a universidade, levei minha experiência e minha história de vida. Isso me fez pensar no trabalho do professor como atividade acadêmica voltada para pesquisa e também na preocupação que se deve ter com o contexto nacional da educação. Um segundo aspecto, sem sombra de dúvida, é uma postura política: acho que a atitude de interferência do professor é fundamental e a universidade não pode ficar de fora das questões da sociedade. 

Desde a publicação do livro O texto na sala de aula (1984), aprendemos que o ensino e a aprendizagem da língua precisam desenvolver-se por meio de situações em que falar, ler e escrever tenham finalidade real. O que isso significa? 
Na década de 1980, quando comecei a tratar disso com  base em uma perspectiva discursiva da linguagem, os objetivos escolares da produção de texto eram extremamente limitados, voltados à questão da avaliação, à questão da correção. A idéia era criar uma espécie de escola mais produtiva – embora hoje a palavra esteja extremamente complicada, pois tem sido usada no sentido de concorrência no mercado. Na época era em contraposição a uma escola reprodutiva. Por exemplo, numa escola em que é difícil o acesso a material de literatura infantil, o professor corre atrás de textos adequados para as crianças. O que pode ser mais adequado para o primeiro, segundo e terceiro ano do que os textos contados, produzidos pelos próprios alunos? 

Esse material, depois de trabalhado pelo professor e ilustrado pelas crianças, pode se transformar em uma obra que fica na biblioteca e pode ser lida por outros alunos. Sua passagem pela escola é marcada por sua obra. Ao não jogar fora a história contada, o papel, o desenho e a cultura - ao mantê-los na biblioteca - você começa a criar uma coisa que valorizamos muito, a memória. 

Para alguns professores, a compreensão de que o ensino da língua se dá por meio dos usos sociais foi como um “abre-te, Sésamo”, para outros, uma enorme dor de cabeça. Como você vê essas duas reações? 
A criança participa dos usos sociais da escrita antes de entrar para a escola. Impedir esse uso na escola é separar o sujeito da sua própria vida. Muitos professores tentam essa separação, em função do processo de alfabetização. Na verdade esse processo seria muito mais produtivo se levasse em conta os usos sociais da língua. 

Aprendizagem não é só um processo de apreensão; é um processo de reflexão sobre aquilo que eu aprendo. Essa reflexão altera tudo o que eu pensava antes, porque desloca o conjunto de conceitos de que disponho para acessar o mundo. Eu diria que, quando a criança começa a refletir e interpretar a escrita, esse conhecimento passa a ocupar um lugar em sua vida. A reação dos professores depende da história de cada um. Aqueles que naquela época já eram contra a ortodoxia da escola se aproximam das nossas idéias; os que eram ortodoxos pensavam que, se não ensinassem a gramática como estavam acostumados, ficariam perdidos sem ter objeto para ensinar. 

Que gêneros devem ser privilegiados no currículo da educação básica? 
Qualquer gênero pode ser ensinado na escola, o que não quer dizer que todos os gêneros devam ser ensinados na escola. Mas o que está acontecendo a partir dos anos 90 é a crença de que todos os gêneros têm de ser ensinados na escola. Isso é um absurdo, pois se os gêneros têm que ver com as atividades humanas, por que eu vou supor que uma pessoa só conhece um gênero se for ensinado na escola? Por exemplo, se eu não tenho nenhuma situação planejada na escola, nem a necessidade das crianças mandarem um ofício para o prefeito, ensinar ofício vai tornar-se parte da obrigação de trabalhar todos os gêneros. Agora, para quê? Vai chegar o momento que eles vão aprender a fazer o ofício, que esse conhecimento vai se tornar necessário; na hora que eles forem para grêmio estudantil, avançarem no processo escolar. Os que têm essa concepção de trabalho esquecem inclusive de gêneros que são acadêmicos; circulam e são importantes dentro da escola, como o resumo, a anotação, a dissertação. Não faz mal que um aluno, durante todo seu processo de escolaridade, não tenha feito nenhum texto no gênero X ou Y. Ao longo da vida, ele vai aprender a usar aquele que tiver necessidade. 

De que critérios o professor deve se valer para indicar a leitura de textos literários de boa qualidade? 
A noção de ‘literatura de qualidade’ varia ao longo da história. Eu prefiro a idéia do grande tempo. Nós vivemos um grande tempo. Nesse tempo, há notas que permanecem, outras ficam anos esquecidas e ressurgem. Por exemplo, no século XVI, os textos de Shakespeare eram da literatura popular e hoje são considerados clássicos. Penso que a liberdade do leitor de construir sua caminhada é o principal critério que o professor pode ter. Todos nós somos capazes de fazer nossa caminhada de leitura. Em minha experiência de trabalho, vi alunos que começaram lendo Éramos Seis, de Maria José Dupré, e terminaram lendo Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro. Essa liberdade permite que a criança possa de fato começar lendo o que nós consideramos leitura barata e terminar lendo literatura de boa qualidade. Agora, se ela começou com literatura barata e terminou com literatura barata, é porque na sala de aula não estavam circulando outros livros. Livro de boa qualidade é o livro que os leitores gostam de ler. O que é um livro bom para criança? É aquele que a criança lê com prazer, que ela tem vontade. É preciso abrir um leque. Acho que isso explica melhor o conceito de liberdade que eu estou trazendo. 

Para finalizar, que recado daria aos professores brasileiros, leitores desta publicação? 
Que o professor não tenha medo de errar. Aprende-se muito errando. Acredite que o aluno com o qual você errou, vai aprender muito mais. Quando mais tarde o aluno disser ‘aquele professor errou quando fez tal coisa’, vai mostrar onde você acertou. Se você errou não se culpe, você está fazendo o máximo que pode no momento. 

Também acho essencial que os responsáveis pelas políticas públicas olhem para o professor como gente, da mesma forma que os professores precisam olhar para o aluno como gente. Isso cria outro compromisso; cria diálogo, cumplicidade. Cria a possibilidade de ultrapassarmos os limites que nós mesmos temos nos imposto ao longo da história. Porque os limites e crises de hoje na educação fomos nós mesmos que criamos ao longo da história, não foi algo que caiu do céu. O caminho se faz ao caminhar. Caminhar é um processo às vezes doído, às vezes alegre. E nós estamos caminhando.
 Fonte:

Ensino de língua portuguesa

 e contextos teórico-metodológicos


Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos

            Tradicionalmente o ensino de Língua Portuguesa no Brasil se volta para a exploração da gramática normativa. Fatores internos e externos motivaram essa transição, segundo Soares (2001: 211-212), a disciplina Português passou a interagir os currículos escolares brasileiros, a partir das últimas décadas do século XIX. O que havia antes era o ensino de Português para a alfabetização, após isso, o grupo social que  continuava os estudos era da classe social mais abastada, de elite, que tinha práticas de leitura e de escrita em seu meio social, que falava uma variedade da língua tida como culta, de prestígio, a mesma que a escola usava e queria ver sendo usada. Assim, ensinar Português era levar ao conhecimento (ou reconhecimento) dos alunos as regras gramaticais, de funcionamento dessa variedade linguística de prestígio.
            Como fatores internos, temos o fato de que a classe abastada, que prosseguia seus estudos, iniciava-se, após a alfabetização, na gramática do Latim, ao lado do estudo da retórica e da poética, e o fato dos estudos do Latim serem gramaticais e terem uma longa história nas escolas (Soares, 2001: 212-213) . Com isso, ao se passar a ensinar Português (isto é, uma outra língua), seguiu-se o modelo conhecido e que atingia os objetivos propostos.
            Com o avanço dos estudos linguísticos propostos pela Linguística e suas subáreas e de estudos sobre aprendizagem, muitas teorias são propostas para descrever/explicar a língua e pare descrever o processo de ensino/aprendizagem.
             
Contribuições teóricas

            Inúmeras são as teorias que, de formas variadas e em níveis diversificados, influenciam a metodologia de ensino de Língua Portuguesa. No entanto, nas últimas décadas do século XX, algumas têm se destacado: a teoria sócio-interacionista vygotskiana de aprendizagem, as de letramento e as de texto/discurso, que possibilitam considerar aspectos cognitivos, sócio-políticos, enunciativos linguísticos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua.
            A concepção de aprendizagem como resultado da interação dialética de um indivíduo com outros num determinado grupo social (Vigotsky, 1984) reflete a importância da dimensão social no processo de desenvolvimento do ser humano. Segundo Vigotsky, essa interação se dá, desde o nascimento, entre o homem e o meio social e cultural em que se insere. Ou seja, o homem transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. Mas a sua relação com o meio não se dá de forma direta, ela é mediada por sistemas simbólicos que representam a realidade; e a linguagem, que se interpõe entre o sujeito e o objeto de conhecimento, é o principal sistema de todos os grupos humanos.
            Tanto a linguagem falada como a escrita possibilitam o desenvolvimento de processos psicointelectuais; no entanto, a escrita propicia modos diferentes e ainda mais abstratos de pensar, de se relacionar com as pessoas e com o conhecimento, pois, para Vygotsky (1984: 131), a escrita constitui um conjunto de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada. No entanto, gradualmente essa via é reduzida,abreviada e a linguagem falada desaparece como elo intermediário.
            Compreendendo a linguagem escrita dessa forma, Vygotsky (1987) reconhece o papel importante da escola no acesso ao conhecimento científico construído e acumulado pela humanidade, além da formação dos conceitos cotidianos, em geral, e dos científicos, em particular. Ao interagir com esse conhecimento, o ser humano se modifica, possibilitando novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio. Assim, o autor ressalta que, se o meio não proporcionar desafios, exigências e estímulos ao intelecto do indivíduo, ele pode não conquistar estágios mais elevados de raciocínio.
            O estudo de gêneros pode ter consequências positivas nas aulas de Português,estimulando os alunos, pois leva em conta seus usos e funções numa situação comunicativa. Com isso, as aulas podem deixar de ter um caráter dogmático e/ou fossilizado, pois a língua a ser estudada se constitui de formas diferentes e específicas em cada situação e o aluno poderá construir seu conhecimento na interação com o objeto de estudo, mediado por parceiros mais experientes.

Textos de mídia no ensino de língua portuguesa

            Sendo a língua um código e devendo o ensino ser de comunicação e expressão, através de códigos variados (não só o verbal, mas também o não verbal), os livros didáticos de Português, ganham espaço na década de 70 por razões sócio-históricas, modificam suas escolhas textuais, introduzindo histórias em quadrinhos ao lado dos textos literários e, depois, notícias jornalísticas, para leitura (principalmente, decodificação) e análise (estrutura textual, recursos linguísticos e gráficos).
            Com a divulgação de outras teorias linguísticas, privilegiando o estudo do texto, na década de 80, os livros didáticos diversificam e ampliam ainda mais a sua seleção textual, destacando-se a presença dos textos jornalísticos: notícias, reportagens, entrevistas, propagandas... Os alunos deveriam lê-los, analisá-los e produzi-los. A ênfase nessa variedade de texto é motivada, principalmente, pela ideia de que os alunos precisariam ler textos mais atuais, mais próximos da sua realidade (não só os jornalísticos, mas também os literários), tanto do ponto de vista da temática, quanto da linguagem.
            Nesses anos 80, são publicadas obras de divulgação científica, como apoio teórico-metodológico para o estudo de textos jornalísticos. Podemos citarEstrutura da Notícia (1987) e Linguagem Jornalística (1985) de Nilson Lage; e O Jornal na Sala de Aula (1989) de Maria Alice Faria.
            Na última década do século passado, com a ampliação dos meios de comunicação e de novas tecnologias, constatamos a preocupação por parte de pesquisadores (Citelli, 2000; Marcondes, Menezes e Toshimitsu, 2000; Lino de Araújo, 1999) com a introdução das diversas linguagens, daí decorrentes na sala de aula (não apenas de Português, como de outras disciplinas também): cinema, televisão, informática, publicidade e outras.
            Os textos jornalísticos estão cada vez mais presentes nas aulas e manuais de língua, aliás, não só no Brasil, mas também em outros países (o que demonstra a influência da mídia no mundo em geral e uma prática de letramento presente e difundida entre vário povos).
            Em se tratando de manuais de Língua Portuguesa destinados a alunos do Ensino Fundamental e Médio, observamos uma tendência, desde o final do século XX, a introduzirem tiras, histórias em quadrinhos e propagandas, retiradas de jornais e revistas, para leitura e estudos gramaticais.
            Certamente, o posicionamento de um grupo de linguistas brasileiros sobre a variedade linguística padrão, além da tendência mundial de trazer a imprensa para a sala de aula, tem contribuído para o estudo de textos da mídia nas aulas de Português: no âmbito dos estudos variacionistas, há o interesse de estabelecer-se qual a variedade padrão do Brasil e que variedade linguística ensinar, considerando-se que o Português europeu é diferente do Português brasileiro e, consequentemente, a variedade padrão de Portugal, como se registra nas gramáticas tradicionais de português, não deve ser ensinada aqui. Para Perini (1985), textos jornalísticos e técnicos (jornais, revistas, livros)  apresentam uma regularidade gramatical e até mesmo estilística em todo o Brasil, de modo que não se distingue linguisticamente um texto jornalístico ou técnico publicado em uma região ou outra do país (o que não ocorre com textos literários). Por essa razão, esse autor defende que a variedade padrão do Português brasileiro é encontradaa nesses textos. Em relação ao ensino, Bagno (2000) e Castilho (1998), entre outros, defendem o ensino de uma pluralidade de variedades linguísticas, tanto na modalidade oral como na escrita, com uma diversificação de gêneros textuais que possibilite ao aluno produzir seu próprio conhecimento linguístico.
            Dessa forma, procurando-se ou não eleger-se uma variedade linguística padrão do Português brasileiro, as opiniões convergem para o fato de que o ensino de Português deve privilegiar o texto, e de gêneros mais diversos possível. Consequentemente, os textos da mídia, que são inúmeros, têm um lugar de destaque.

BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. ( p. 37-46 )

Fonte:

A gramática de Marcos Bagno

Abril/2012

Tendência    

Linguistas no paiol dos gramáticos

Obra de Marcos Bagno reforça a importância de pesquisadores da linguagem entrarem numa seara antes exclusiva dos gramáticos normativos

Sírio Possenti


Na abertura do mais recente congresso da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), realizado há um ano em Curitiba, falaram linguistas gramáticos da Espanha, de Portugal e do Brasil. Comemorava-se, de certa forma, a chegada dos linguistas a um campo que em geral não frequentam.

As gramáticas que então foram apresentadas (faltou a de Mário Alberto Perini) são obras que não têm "intenção" pedagógica. Elas consolidam pesquisas que cobrem, de certa forma, toda a língua, o que é raro no trabalho de um linguista (na verdade, de qualquer cientista: são poucos os que escrevem "manuais"). Cientistas são especialistas em terrenos circunscritos.

Marcos Bagno acaba de publicar sua Gramática Pedagógica do Português Brasileiro (Parábola Editorial, 1.056 páginas, R$ 120). O título é significativo das pretensões da obra. É umagramática: apresenta regras, no sentido de regularidades; é pedagógica: implica que deseja ser lida nas escolas, com o objetivo de, ao mesmo tempo, descrever / explicar fatos do português (as diversas variedades) e de selecionar o que deve ser aprendido pelos alunos; e trata do português brasileiro: uma variedade (também internamente variada) particular do português que, a seu ver, deve ser a ensinada nas escolas.

Sem aceitar tudo
Esta questão, se relevante (tanto para a questão nacional quanto para a política de ensino), é a menos explicitamente revolucionária em uma gramática, por uma razão muito simples: as diferenças que repercutem no ensino da língua não são numerosas. Referem-se a poucas questiúnculas, dentre as quais a colocação dos pronomes átonos. O português brasileiro é francamente proclítico ("Me dá um dinheiro"). Bagno, como numerosos outros estudiosos, não vê nenhum problema em aceitar oficialmente esta regra (que Cunha e Cintra, aliás, também "aceitam" em sua gramática, mas ninguém percebe).

Decorrente desta mesma posição, a gramática de Bagno propõe que a escola e a "sociedade" aceitem que o português brasileiro culto é diferente do português culto que imaginariamente se fala ou escreve. Bagno "prova" o que diz, citando numerosos dados. E não propõe, como pensam os que só o conhecem pelas polêmicas, que a escola "aceite tudo". Apenas propõe, com clareza, que sejam aceitas como corretas, sejam avalizadas, não mais consideradas como erros, e não se reprove alunos mais por causa delas, construções extremamente frequentes, embora não exclusivas, nos textos dos profissionais das escrita, especialmente da escrita da mídia. Para ser mais preciso, da mídia linguisticamente conservadora.

Para todas as questões gramaticais relativamente candentes analisadas, a gramática de Bagno mostra exaustivamente que muitas formas condenadas nos manuais de redação, por exemplo, são fartamente empregadas pelos melhores funcionários dos jornais ou das revistas, incluídos os articulistas, em geral intelectuais da academia.

Em suma: com base nos fatos, numerosos fatos (não só atuais), e em teoria consistente, a obra propõe a adoção, como projeto educacional, do ensino do português culto falado e escrito de fato no Brasil. Trata-se da fala e da escrita cultas, não das populares: ou seja: o autor nem é "radical"...

Para exemplificar: sugere que não se considerem erros construções como "Vende-se cachorros" ou "A casa que o jardim (dela) é bonito" ou "Mandei ele sair".

Por várias razões:

a) são empregadas por falantes cultos;

b) seguem uma deriva histórica da língua, ou seja, têm uma boa explicação histórica, não são frutos do desleixo;

c) não há prejuízo para sua "compreensão".

Ofendem ouvidos? Pode ser. Mas muito poucos, porque, como os dados mostram, as formas defendidas como as únicas corretas não são empregadas nem por seus defensores (professores, escritores e intelectuais variados).

Tradicional inovador
Anoto, por extremamente relevante, que o autor repete insistentemente que o ensino das formas "tradicionais" tem lugar na escola (e sugere como ensiná-las). Ou seja: longe de combatê-las, considera que a escola tem a obrigação de ensiná-las, e de uma forma que sejam aprendidas, para que sejam empregadas nos textos que se espera ou se exige que sejam mais monitorados (eis uma forma de ensinar adequadamente os tais gêneros).

Mas a obra não é só uma proposta de ensino mais realista, que se aplique a ensinar o português culto do Brasil nas escolas brasileiras. É também uma gramática no sentido mais estrito: contém descrições e explicações para numerosos fatos. Muitos dos eventuais críticos terão trabalho para lê-la. Suarão com as teorias invocadas, porque pensam que só existem as que leram nas gramáticas mais tradicionais, das quais em geral apenas conhecem o traço normativo.

A obra tem pouco mais de 1.050 páginas. É óbvio que aqui não posso comentá-la em detalhe. Anoto só algumas características marcantes. Um capítulo introdutório comenta concepções filosóficas clássicas das línguas (sem repetir o blá-blá-blá comunicativo) e as questões políticas nas quais estão sempre envolvidas, entre as quais a questão colonial, que, no caso, ainda implica que se pense que o único português é o de Portugal, e seria o de Camões.

Outro tópico inovador é uma apresentação da história do português brasileiro. O que mais chama a atenção nos capítulos dedicados a esta questão é que regras que mudaram o português, desde seus tempos de latim até hoje, continuam funcionando: a variação interna do português atual replica muitos fenômenos que fizeram com que a língua seja como é, diferentemente do italiano, do espanhol ou do latim vulgar. As primeiras 400 páginas jogam o leitor nesse mundo das línguas e da acumulação de conhecimento sobre elas - e sobre a nossa, que já é grande.

História
Anoto, por ser raro em obras dessa natureza, a menção a muitos fatos análogos, semelhantes ou diferentes, que ocorrem em muitas línguas. Além do valor intrínseco dessas informações, elas têm o papel de mostrar que as línguas são fenômenos cheios de diferentes soluções para o mesmo "problema" (como dizer X), mas também que a mesma estrutura ocorre em línguas nas quais menos se espera encontrá-la. É um prato cheio para os curiosos por informações que fazem pensar.

Depois a obra entra diretamente em questões de análise do português brasileiro. Na segunda "metade", está mais próxima das gramáticas que conhecemos, dadas as questões de que trata. Há discussão sobre as categorias (o que é um verbo, um nome um advérbio... etc.) e há tomada de posição em relação a elas. O autor defende, geralmente, que as categorias são um pouco fluidas e, em seu interior, continuam ocorrendo processos de gramaticalização, um dos fatores que impedem uma classificação mais rígida. A perspectiva geral adotada é funcionalista (inclusive com algumas estocadas nos formalistas), compatível com certa concepção da história e da variação interna das línguas.

Convincente
As análises, e principalmente as reanálises, sempre fundadas em numerosos fatos, são bastante convincentes, mesmo as "novas", como a proposição de verbos apresentacionaisou do caso absolutivo, que obrigam a rever velhas categorias com as quais as gramáticas escolares nos acostumaram. Algumas podem ser discutidas, ou são mais discutíveis do que outras (p. ex., se verbos podem ser ora transitivos ora intransitivos, a análise de estruturas como "Mandei ele / o sair" etc.).

Outra vantagem de uma obra como esta é que ela defende uma teoria, e explicita sua origem e sua dimensão política. Mas é obra de pesquisa, mesmo se propondo pedagógica, posição que é óbvia em qualquer ciência (não se ensina que crianças são trazidas por cegonhas nas aulas de biologia). Não se apresenta como sendo a palavra da tradição, que sempre esconde suas origens e desígnios. Trata de fatos. Neste sentido, avança no caminho aberto pelas obras anteriores do autor.

A gramática de Bagno deveria ser lida, estudada, debatida, e não só por professores de português. Que não seja descartada só porque não repete o que pensamos ou pensamos que sabemos. Deixaríamos de perder muito tempo. E muita discussão besta desapareceria.
Imagem do livro de Bagno: autor sugere que não se considerem erros construções como "Vende-se cachorros" ou "Mandei ele sair", pois são usadas por falantes cultos e com justificação histórica, não sendo mero desleixo


A nova era dos gramáticos
As obras do século 21 que abrem espaço a uma nova geração de gramáticos, vinda da linguística Por Luiz Costa Pereira Junior

Gramática de Usos do PortuguêsDe Maria Helena de Moura Neves (Editora Unesp, 2000, 1.073 páginas)
A obra parte da observação dos usos que podem ser confirmáveis no Brasil por meio de pesquisa. Refletindo sobre esses usos, oferece uma organização que os sistematiza. A professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e do Mackenzie encara a gramática da língua como a responsável pela produção de sentidos na linguagem, pelo entrelaçamento discursivo-textual das relações estabelecidas na comunicação cotidiana. Indicada a professores, a obra se notabilizou como fonte de consulta para planos de aula. Mesmo assim, busca situar o leitor leigo adotando a divisão tradicional em classes de palavras, a que ele está familiarizado na escola, como base de seus capítulos.
Gramática do Português Culto Falado no Brasil (Editora Unicamp, 2007, 5 volumes)
Feita a partir de um corpus composto por gravações com a linguagem falada pela elite escolarizada, reúne o esforço de 32 pesquisadores de 12 universidades, desde 1988. O projeto retoma outra pesquisa, Norma Urbana Culta (NURC), que entre 1970 e 1978 gravou 1.500 horas de falas em cinco capitais (cada hora gravada produz 40 páginas de transcrição). Mas a descrição das gravações só encontrou a devida análise nesta gramática. Até então, os pesquisadores dividiram-se em grupos para entender a oralidade, a morfologia e o uso das palavras, a estrutura das sentenças, a construção dos sons e do sentido. O resultado é uma monumental contribuição à pesquisa.
Gramática da Língua PortuguesaDe Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Inês Duarte, Isabel Hub Faria (Editora Caminho, 2010, 5ª edição, 312 páginas, 50 euros)
Publicada pela primeira vez em 1983, esta gramática portuguesa está em sua 5ª edição. O significativo trabalho de revisão deu à obra portuguesa maior poder descritivo, estilo menos tecnicista que nas outras edições e cobertura linguística mais ampla. Embora esta gramática não seja normativa, a variedade da língua estudada é a norma-padrão do português europeu: apresenta descrições e análises de aspectos da língua portuguesa. A obra tem o valor adicional para os brasileiros, pois é uma oportunidade de comparar trabalhos de linguistas de países lusófonos.
Gramática do português brasileiroDe Mário Alberto Perini (Parábola Editorial, 2010, 368 páginas, R$ 50)
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Perini criou uma gramática da variante brasileira do português. Ela não é, por isso, normativa (não se propõe instrumento que regule o bom uso da língua). A obra considera a gramática uma disciplina científica, tal como a astronomia e a história. Portanto, não é um conjunto de dogmas, sem espaço para debate, e não faz sentido só aprender uma lista de resultados. O estudo de gramática não leva alguém a ler ou escrever melhor. Por isso, o livro destinado a alunos e professores de letras busca mostrar, em cada caso estudado, por que se adota uma análise e não outra.
Nova Gramática do Português BrasileiroDe Ataliba Teixeira de Castilho (Editora Contexto, 2009, 768 páginas, R$ 70)
Professor da Universidade de São Paulo (USP), Castilho busca um retrato da língua tal como ela é falada no Brasil, com suas variedades. Mapeia as teorias e os diferentes modos como a língua é usada no país, dando a mesma importância de análise científica a fatos linguísticos considerados marginais pelas gramáticas tradicionais, mas em uso na comunidade de falantes do português brasileiro, como "Ni mim", "Tafalano no telefone?" e "Quem que chegou?". Sugere que estudemos não tanto ocorrências arcaicas, mas que se acrescente o estudo de formas de fato usadas diariamente em todo o país.

Fonte:

CURRÍCULO NO CONTEXTO EDUCATIVO

Saberes e Incertezas do Currículo


No livro Saberes e Incertezas do Currículo, Sacristán aborda a forma como o mesmo vem se institucionalizando no contexto educativo. Trata-se não somente de um contexto teórico, mas também de uma ferramenta de regulação de práticas pedagógicas. É um instrumento de inclusão, onde manifestamos nossas percepções sobre o que acreditamos ser a realidade da educação, pautados no contexto histórico (passado) e nos mostrando uma visão do futuro refletindo sobre o que pretendemos que os alunos aprendam e de que maneira podemos planejar melhorias.
Não há como exercer nossas práticas educacionais sem ter um currículo pré-estabelecido, pois ele é um componente formador da realidade do sistema de educação no qual vivemos, é a expressão e a concretização do plano cultural, pois toda instituição trabalha e defende uma cultura. Dentro do contexto educacional  currículo desde os problemas com o fracasso escolar, a desmotivação dos alunos, o tipo de relações entre professores e alunos, a indisciplina em aula, que além de serem preocupações e temas de conteúdo psicopedagógico, são também de certa forma problemas que são muito relacionados ao currículo ofertado aos alunos.
Neste livro Sacristán (2013,p.10) enfatiza que:
Se por um lado o currículo é uma ponte entre a cultura e a sociedade exteriores às instituições de educação, por outro ele também é uma ponte entre a cultura dos sujeitos, entre a sociedade de hoje e a do amanhã, entre as possibilidades de conhecer, saber se comunicar e se expressar em contraposição ao isolamento da ignorância.

Por todos estes apontamentos o autor faz um convite à reconstrução progressiva e interdisciplinar do currículo, pautado na reflexão da pluralidade de pensamentos e na contemplação da diversidade cultural dos sujeitos.
A obra é estruturada em seis partes englobando 30 capítulos.
I.              O que significa o currículo?  Através desta pergunta se desenvolverá todo um esquema que leva a compreensão da complexidade que o currículo hoje apresenta tanto nos estudos sobre o tema quanto nos âmbitos práticos nos quais ele é projetado.
II.            O currículo: texto em contexto – suas determinações visíveis e invisíveis. Neste enredo há a abordagem das representações do currículo que é um texto que representa e apresenta suas aspirações, interesses, ideais e formas de entender sua missão em um contexto histórico e quais as influências que o mesmo sofre. Evidenciando a não neutralidade do currículo, as desigualdades entre os indivíduos e os grupos. Também existe a condição evidente da pluralidade cultural das sociedades atuais, fato que se choca com a uniformidade dos currículos, além da condição intituladasociedades da informação, que desestabilizam as formas de pensar e atuar com as quais estamos, exigem uma revisão das instituições educacionais, de seus conteúdos e de suas metodologias.
III.           Âmbitos de configuração e de tomada de decisão do currículo: as práticas em seu desenvolvimento. Muitas atividades são realizadas em torno do currículo, mas sua essência e substância é o resultado das transformações que práticas e decisões políticas, organizativas, pedagógicas e de controle (entre outras) provocam sobre ele.
IV.          A inserção do currículo no sistema educacional. O currículo é um fator constituinte da realidade da educação e ao mesmo tempo é instituído por ela. Então o autor traz toda a contextualização da educação infantil, primária, secundária e o significado de cada etapa da educação, procurando enfatizar também a questão da inclusão.
V.           O currículo em uma aula “sem paredes”. O currículo efetivo nos arremete ao que as crianças e os jovens aprendem fora do contexto escolar e isso deveria ser levado em consideração na reestruturação dos currículos. Sendo que aqui há a abordagem de três polos de discussão: - considerar à cidade (e não a escola) ambiente determinante do pensamento e o promotor da educação, muito mais do que os currículos escolares; - integrar as novas tecnologias a serviço do conhecimento, sob os critérios de justiça e de democratização de saberes; - e imaginar as instituições de outra maneira.
VI.          A melhoria do currículo. Para Sacristán  a melhoria do currículo deve ser algo constante e dar suporte às pesquisas feitas com e sobre os professores a respeito do desenvolvimento do currículo como estratégia para o desenvolvimento do corpo docente; a formação dos professores especificamente voltada par o desenvolvimento do currículo e uma prática de avaliação para a melhoria do currículo.
Sendo assim a leitura desta obra e faz de grande valia para todo e qualquer profissional que transita pelo contexto educativo, pois o currículo é pressuposto básico para qualquer prática pedagógica.

O livro pode ser encontrado no site do  GrupoA.
SACRISTÁN, José Gimeno. Saberes e Incertezas do Currículo. Porto Alegre: Penso, 2013.

FONTE:

Pedagogia da diferença | Revista Educação



Abril/2015
Entrevista com Maria Teresa Mantoan | Edição 216

Pedagogia da diferença



Maria Teresa Eglér Mantoan, uma das maiores especialistas em inclusão escolar no país, defende uma ampla transformação das escolas regulares para atender a todos, indistintamente


Maria Marta Avancini


© Gustavo Morita

Maria Teresa: educação especial deve ser complementar, e não substitutiva

A inclusão escolar não depende de infraestrutura ou de adaptações curriculares que atendam às necessidades individuais dos alunos com deficiência. Para ser plena e efetiva, a inclusão requer, antes de tudo, a compreensão de que a diferença é inerente ao ser humano - diferença entendida aqui não como as características específicas de uma categoria de pessoas, por exemplo, as pessoas com deficiência, mas a diferença que permeia a humanidade e que torna cada ser um único em suas capacidades e habilidades.

Dar conta dessa característica da humanidade é o desafio que se coloca a uma escola que se pretenda inclusiva, como destaca a pedagoga Maria Teresa Eglér Mantoan, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped). A especialista, que acaba de lançar Inclusão escolar - O que é? Por quê? Como fazer? (Summus), ressalta nesta entrevista a importância, os desafios e a obrigatoriedade, por parte das escolas, de acolher todos os alunos por meio de formas mais solidárias e plurais de convivência.

Sendo uma das maiores especialistas na área, como a senhora define a inclusão?
A inclusão vem justamente da ideia de que nós não temos o direito, de forma alguma, de tratar algumas pessoas de forma diferente e, em função disso, estabelecer um mundo diferente para elas - uma sociedade diferente, uma escola diferente. A inclusão é justamente a compreensão de que é a diferença o que nos constitui, não a igualdade. Nós temos igualdade perante a lei, o que não significa que sejamos iguais. Um erro comum dos professores, da escola e até dos pais é pensar que a inclusão é a inclusão da criança com deficiência. Mas e aquele menino que entrou na escola naquele ano, veio de outro estado, tinha uma linguagem diferente, não deu conta de todos os conteúdos? Ele também está em um processo inclusivo.


A senhora está lançando um novo livro sobre o tema. Qual é a proposta da obra?
Meu objetivo é tornar acessíveis ideias que possam parecer complexas e que, por serem inovadoras, costumam gerar uma resistência por parte das pessoas. A inclusão é uma ideia dessas, uma ideia que rompe paradigmas, que traz para a escola um grande desafio: abandonar esse padrão de pseudo-homogeneidade que ela almeja. Isso, evidentemente dentro dos cânones da escola, que são conservadores, significa alguma coisa que não só desafia, como também amedronta. As pessoas perdem a segurança de atuar dentro de determinados padrões, porque se veem diante de um cenário novo em que as crianças que estão lá não são as crianças dominadas pela escola. São crianças que mostram, principalmente, o que está faltando na escola.

A pesquisa Conselho de Classe - a visão do professor no Brasil, da Fundação Lemann, mostrou que 7% dos professores consideram como tema mais urgente a falta de estrutura para atender as crianças de inclusão na escola. Como os professores podem ajudar na política de educação inclusiva se eles ainda se sentem desamparados?
Essa questão remete a uma parte do meu livro, o "como fazer", como os professores devem atuar numa perspectiva inclusiva para atender toda e qualquer criança. Nessa lógica, as crianças incluídas não são aquelas que precisam de uma pedagogia diferente, de uma atividade diferente, de um currículo adaptado para darem conta na escola. É a escola que tem de se modificar para atender as crianças, e não as crianças que têm de se modificar para atender a escola. Um resultado como esse mostra que a escola não entendeu isso ainda. Que estrutura é essa que os professores estão esperando? É uma estrutura de escola especial que vem para não mudar nada, e esses meninos ficarem sob a responsabilidade dela? Ou é uma nova estrutura na qual os professores têm de trabalhar a partir de um referencial de ensino e aprendizagem que não é o mesmo que a escola utiliza para dar conta do processo educativo das crianças que ela considera dignas de estarem lá?

A escola tem de mudar?
Sim, e mudar não significa exclusivamente ter uma estrutura para atender essas crianças. Mudar, dentro do ponto de vista inclusivo de educação, é mudar para que a escola possa atender a todos sem diferenciar pela deficiência de alguns alunos. A avaliação muda, mas não muda só para essas crianças, muda para todo mundo. As atividades também. A organização curricular muda, mas não muda só para essas crianças, com adaptações à capacidade delas. À luz da Política [de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva], a educação especial deixou de ter a função de auxiliar essas crianças nos conteúdos escolares. Cabe, agora, oferecer recursos que tornem as crianças, o máximo possível, autônomas e independentes para aprender aquilo que é oferecido na escola. É difícil porque os professores e a escola querem que o professor da sala de multirrecursos assuma o papel que é do professor de sala. Os professores querem saber o que devem fazer para ensinar tabuada, para alfabetizar o menino que é deficiente. Esse é o ponto. Ninguém quer mudar aí: se há alguma dificuldade para a criança aprender tabuada, este é visto como um problema do professor de educação especial. Então o professor de classe vai até ele perguntar como fazer.

Nessa linha de raciocínio, a Política, que prevê, por exemplo, as salas de recursos multifuncionais, não reforça essa expectativa da escola regular?
Ao contrário. A Política estabelece que a educação especial não é mais substitutiva, ela é complementar. Ela não pode substituir conteúdo, atividade, o ensino de uma classe comum. Isso era atribuição das escolas especiais e das classes especiais. Na perspectiva atual, a educação especial é complementar porque ela oferece conhecimentos para alguns alunos que a escola comum não dá, como aulas de Libras, por exemplo. O currículo da sala de recursos multifuncionais - que são as salas de educação especial - não é o currículo escolar. Qual a vantagem disso para o professor da sala comum? Ele passa a ter um esclarecimento das necessidades da criança e pode pensar, em conjunto com o professor da sala de recursos, como atuar com este aluno.

Mas por que permanece a mentalidade de usar a sala de recursos como espaço de aprendizagem de conteúdos que deveriam ser dados na sala de aula regular?
Essa mentalidade não muda por causa das cobranças ao sistema de ensino. Os sistemas de ensino se dizem inclusivos, mas a cobrança é sobre a educação especial, e não sobre a escola comum. Isso ocorre desde a esfera federal até a municipal. A esfera federal tem uma política avançada em termos de educação inclusiva, mas a Secretaria de Educação Básica do MEC continua sinalizando o contrário ao dizer: "esperamos que todas as escolas atinjam a meta do Ideb". Mas se pensarmos numa educação democrática, educação para todos, que qualidade de ensino deveríamos sinalizar para a escola? Temos de sinalizar uma pedagogia da diferença, em oposição à pedagogia da homogeneidade, que é aquela em que todos têm de aprender as mesmas coisas, no mesmo tempo e tenham resultados de aprendizagem que correspondam ao que o outro quer, e não àquilo que elas próprias definiram como seu interesse e necessidade.

Algumas escolas privadas têm adotado cota para alunos de inclusão e exigido um acompanhante para estes alunos. O que a senhora pensa sobre isso?
Isso é um absurdo. Conforme a necessidade da criança, ela tem direito a um acompanhante, mas a escola é que deve providenciar. Não é o pai que tem de pagar. Além disso, o cuidador - que deve estar disponível para qualquer aluno - pode até apoiar o professor numa situação específica, mas ele não tem uma função pedagógica. As cotas também são um absurdo. Muitas vezes isso acontece porque há alguns professores que recebem toda e qualquer criança e quando a turma dele está fechada, a escola se recusa a receber a criança. Isso não pode acontecer. Ninguém pode ter matrícula negada por qualquer diferença na escola brasileira. É o que diz a lei.

Pensando nas condições e problemas enfrentados por boa parte das escolas brasileiras, como operacionalizar a inclusão?
Primeiro, a escola precisa estar ciente de suas obrigações. Oferecer educação especial através do atendimento educacional especializado não é uma benesse de algumas escolas; é obrigação dos sistemas de ensino. A escola tem de buscar esse atendimento, os recursos e instalá-los. Também deve buscar professores especializados, embora muitos deles ainda prefiram atuar como professores de educação especial à moda antiga, dando aulas de reforço de matemática, por exemplo. Outra coisa muito importante: os professores que reclamam de seus alunos. É preciso que eles se avaliem com perguntas do tipo: Por que meus alunos não aprendem? O que estou ensinando? Como estou avaliando? Que material tenho usado para que os meus alunos tenham acesso a conteúdos que não estão apenas no livro didático? As escolas têm de avaliar seu próprio ensino, entender para quê serve a avaliação e adotar formas mais evoluídas de avaliar alguém no processo educativo. Não é avaliação formativa, não é avaliação da disciplina. Estamos falando aqui de uma avaliação que gere melhorias. Finalmente, é preciso mudar a mentalidade de que somente os alunos com deficiência são diferentes. Cada um pode evoluir de acordo com o meio onde vive, com a capacidade que tem para ser desenvolvida. Temos de fazer dos nossos alunos os mais diferentes, de modo que eles tenham consciência de que são diferentes, que nós somos diferentes. Somos pessoas que nos distinguimos pela diferença.

FONTE: