sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Ensino de língua portuguesa

 e contextos teórico-metodológicos


Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos

            Tradicionalmente o ensino de Língua Portuguesa no Brasil se volta para a exploração da gramática normativa. Fatores internos e externos motivaram essa transição, segundo Soares (2001: 211-212), a disciplina Português passou a interagir os currículos escolares brasileiros, a partir das últimas décadas do século XIX. O que havia antes era o ensino de Português para a alfabetização, após isso, o grupo social que  continuava os estudos era da classe social mais abastada, de elite, que tinha práticas de leitura e de escrita em seu meio social, que falava uma variedade da língua tida como culta, de prestígio, a mesma que a escola usava e queria ver sendo usada. Assim, ensinar Português era levar ao conhecimento (ou reconhecimento) dos alunos as regras gramaticais, de funcionamento dessa variedade linguística de prestígio.
            Como fatores internos, temos o fato de que a classe abastada, que prosseguia seus estudos, iniciava-se, após a alfabetização, na gramática do Latim, ao lado do estudo da retórica e da poética, e o fato dos estudos do Latim serem gramaticais e terem uma longa história nas escolas (Soares, 2001: 212-213) . Com isso, ao se passar a ensinar Português (isto é, uma outra língua), seguiu-se o modelo conhecido e que atingia os objetivos propostos.
            Com o avanço dos estudos linguísticos propostos pela Linguística e suas subáreas e de estudos sobre aprendizagem, muitas teorias são propostas para descrever/explicar a língua e pare descrever o processo de ensino/aprendizagem.
             
Contribuições teóricas

            Inúmeras são as teorias que, de formas variadas e em níveis diversificados, influenciam a metodologia de ensino de Língua Portuguesa. No entanto, nas últimas décadas do século XX, algumas têm se destacado: a teoria sócio-interacionista vygotskiana de aprendizagem, as de letramento e as de texto/discurso, que possibilitam considerar aspectos cognitivos, sócio-políticos, enunciativos linguísticos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua.
            A concepção de aprendizagem como resultado da interação dialética de um indivíduo com outros num determinado grupo social (Vigotsky, 1984) reflete a importância da dimensão social no processo de desenvolvimento do ser humano. Segundo Vigotsky, essa interação se dá, desde o nascimento, entre o homem e o meio social e cultural em que se insere. Ou seja, o homem transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. Mas a sua relação com o meio não se dá de forma direta, ela é mediada por sistemas simbólicos que representam a realidade; e a linguagem, que se interpõe entre o sujeito e o objeto de conhecimento, é o principal sistema de todos os grupos humanos.
            Tanto a linguagem falada como a escrita possibilitam o desenvolvimento de processos psicointelectuais; no entanto, a escrita propicia modos diferentes e ainda mais abstratos de pensar, de se relacionar com as pessoas e com o conhecimento, pois, para Vygotsky (1984: 131), a escrita constitui um conjunto de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada. No entanto, gradualmente essa via é reduzida,abreviada e a linguagem falada desaparece como elo intermediário.
            Compreendendo a linguagem escrita dessa forma, Vygotsky (1987) reconhece o papel importante da escola no acesso ao conhecimento científico construído e acumulado pela humanidade, além da formação dos conceitos cotidianos, em geral, e dos científicos, em particular. Ao interagir com esse conhecimento, o ser humano se modifica, possibilitando novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio. Assim, o autor ressalta que, se o meio não proporcionar desafios, exigências e estímulos ao intelecto do indivíduo, ele pode não conquistar estágios mais elevados de raciocínio.
            O estudo de gêneros pode ter consequências positivas nas aulas de Português,estimulando os alunos, pois leva em conta seus usos e funções numa situação comunicativa. Com isso, as aulas podem deixar de ter um caráter dogmático e/ou fossilizado, pois a língua a ser estudada se constitui de formas diferentes e específicas em cada situação e o aluno poderá construir seu conhecimento na interação com o objeto de estudo, mediado por parceiros mais experientes.

Textos de mídia no ensino de língua portuguesa

            Sendo a língua um código e devendo o ensino ser de comunicação e expressão, através de códigos variados (não só o verbal, mas também o não verbal), os livros didáticos de Português, ganham espaço na década de 70 por razões sócio-históricas, modificam suas escolhas textuais, introduzindo histórias em quadrinhos ao lado dos textos literários e, depois, notícias jornalísticas, para leitura (principalmente, decodificação) e análise (estrutura textual, recursos linguísticos e gráficos).
            Com a divulgação de outras teorias linguísticas, privilegiando o estudo do texto, na década de 80, os livros didáticos diversificam e ampliam ainda mais a sua seleção textual, destacando-se a presença dos textos jornalísticos: notícias, reportagens, entrevistas, propagandas... Os alunos deveriam lê-los, analisá-los e produzi-los. A ênfase nessa variedade de texto é motivada, principalmente, pela ideia de que os alunos precisariam ler textos mais atuais, mais próximos da sua realidade (não só os jornalísticos, mas também os literários), tanto do ponto de vista da temática, quanto da linguagem.
            Nesses anos 80, são publicadas obras de divulgação científica, como apoio teórico-metodológico para o estudo de textos jornalísticos. Podemos citarEstrutura da Notícia (1987) e Linguagem Jornalística (1985) de Nilson Lage; e O Jornal na Sala de Aula (1989) de Maria Alice Faria.
            Na última década do século passado, com a ampliação dos meios de comunicação e de novas tecnologias, constatamos a preocupação por parte de pesquisadores (Citelli, 2000; Marcondes, Menezes e Toshimitsu, 2000; Lino de Araújo, 1999) com a introdução das diversas linguagens, daí decorrentes na sala de aula (não apenas de Português, como de outras disciplinas também): cinema, televisão, informática, publicidade e outras.
            Os textos jornalísticos estão cada vez mais presentes nas aulas e manuais de língua, aliás, não só no Brasil, mas também em outros países (o que demonstra a influência da mídia no mundo em geral e uma prática de letramento presente e difundida entre vário povos).
            Em se tratando de manuais de Língua Portuguesa destinados a alunos do Ensino Fundamental e Médio, observamos uma tendência, desde o final do século XX, a introduzirem tiras, histórias em quadrinhos e propagandas, retiradas de jornais e revistas, para leitura e estudos gramaticais.
            Certamente, o posicionamento de um grupo de linguistas brasileiros sobre a variedade linguística padrão, além da tendência mundial de trazer a imprensa para a sala de aula, tem contribuído para o estudo de textos da mídia nas aulas de Português: no âmbito dos estudos variacionistas, há o interesse de estabelecer-se qual a variedade padrão do Brasil e que variedade linguística ensinar, considerando-se que o Português europeu é diferente do Português brasileiro e, consequentemente, a variedade padrão de Portugal, como se registra nas gramáticas tradicionais de português, não deve ser ensinada aqui. Para Perini (1985), textos jornalísticos e técnicos (jornais, revistas, livros)  apresentam uma regularidade gramatical e até mesmo estilística em todo o Brasil, de modo que não se distingue linguisticamente um texto jornalístico ou técnico publicado em uma região ou outra do país (o que não ocorre com textos literários). Por essa razão, esse autor defende que a variedade padrão do Português brasileiro é encontradaa nesses textos. Em relação ao ensino, Bagno (2000) e Castilho (1998), entre outros, defendem o ensino de uma pluralidade de variedades linguísticas, tanto na modalidade oral como na escrita, com uma diversificação de gêneros textuais que possibilite ao aluno produzir seu próprio conhecimento linguístico.
            Dessa forma, procurando-se ou não eleger-se uma variedade linguística padrão do Português brasileiro, as opiniões convergem para o fato de que o ensino de Português deve privilegiar o texto, e de gêneros mais diversos possível. Consequentemente, os textos da mídia, que são inúmeros, têm um lugar de destaque.

BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. ( p. 37-46 )

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